19 novembro 2015

The End

Esta é a morte anunciada, o fim, o derradeiro momento. Este blog, que foi nalguns dos momentos mais negros da minha existência uma salvação, um grito sentido de dor, um pedido de socorro a nenhures, um  arrancar do peito os demónios que sofregamente queriam resgatar a minha alma, mas agora já deixou de fazer sentido. Porquê gritar se ninguém quer ouvir a dor, porquê dizer que estou a morrer, se todos viram a cara, passam impunes, desligados e mais dedicados às suas existências, possivelmente considerando estas palavras lirismos sem sentido ou dramas de uma mente delirante. Todos temos a nossa vida, o nosso tempo, as nossas coisas, que garantidamente são importantes, nos consomem, nos preenchem e por vezes são assobarbantes. Não nego, nem sou ninguém para censurar. Absolutamente ninguém.

Sou uma gota de sangue derramada, em breve uma nódoa que pode ser limpa num único acto. 

Este blog morre aqui, agora, para se esfumar  nesta coisa fátua que é o ciberespaço.

Deixo-vos uma despedida sofrida, desejando que seja um dia recordado com carinho...

Just One Word or a World Full of Surprises

Um sobrolho levantado, seguido de um trejeito de lábios, os olhos cerram demoradamente porque uma pequena centelha está a queimar a mente! Descobri que o maior prazer da minha vida é ser surpreendido, provavelmente porque na minha infantil arrogância estúpida ache que já sei muito. E veja-se o quanto estou errado, enganado e na verdade eu é que sou incongruente!

Um pequeno gesto, uma palavra plantada no meio de um longo dialogo, um odor pungente que paira no ar, um raio de Sol que ofusca momentaneamente, qualquer evento que planta uma semente que depressa se transformam em rebento, para depois se transfigurar em uma arvore gigante que cresce dentro de nós, repleta de troncos, folhas, frutos, flores, vida, só depende da forma como o nosso espirito a alimenta. Estimulo delicioso, uma ideia plantada inocentemente que a nossa alma nutre em segredo. Simples como uma gota a cair num pequeno charco e que multiplica infinitamente as suas ondas.

Como uma pequena faísca nos faz reformular toda uma ideia, por vezes anos de vida, desfazendo a forma como pensamos, quase lentes bem polidas para vermos para lá do turvo do passar do tempo.

Que surpresa!

18 novembro 2015

This is the sea

Uma onda feroz e intempestiva que me atira para o fundo, para as profundezas, que estranhamente é verdadeira, intensa, veemente e inexplicavelmente maravilhosa. Afogar-me, morrer, padecer, apenas para conseguir sobreviver, ou de forma resoluta, de uma vez por todas, definitivamente vivenciar o todo do mundo, ser uno, plenamente, sentir todo o universo a percorrer o meu corpo,  sentir a força do oceano, sentir o salgado de uns lábios ternos, saborear o calor da ondulação tensa de um corpo, tocar brandamente todas as curvas daquele corpo misterioso que vive nos meus sonhos, um sonho de mulher, volúpia de prazer, sentir o amor incondicional, desprendido de pecado ou pudor, despertar, sentir a vida e viver, viver na mais absoluta, genuína e estranha das formas. Intensamente! Ser feliz!
Verdadeiramente viver!

17 novembro 2015

Morre para eu não morrer

Inverno

No inicio do inverno, um igual a tantos outros que já contaram, num lugar sobranceiro ao mundo, por entre os basaltos daquele monte, brotavam do solo, germinavam lentamente dois brotos quase envergonhados e genuinamente encandeados pelos raios de Sol, naquela manhã fria. Espreitavam sob o gelo que se tinha formado durante a noite escura, abrindo caminho em direção ao seu destino, vislumbrar a felicidade daquele dia de inicio de inverno. Cada um lutava para encontrar o seu caminho, rasgando o vítreo dos cristais de gelo, que se afastavam, como se fosse esse o seu desígnio, mas suas raízes, quase como mãos dadas, ou os corpos de amantes abraçavam-se ferreamente debaixo do solo, aproveitando cada réstea de calor que emanava das profundezas da terra, numa ligação terna, mas sedenta de vida, alimentavam-se, partilhavam os nutrientes oferecidos pela terra mãe, consumiam o elixir que corria sob a crosta, num festim de emoções e prazer, os braços, estames lançados para cima, dança fecunda, alegoria de um sorriso rasgado, profundo e genuíno, com as raízes abraçadas, escondidas do olhar da infelicidade, da inveja dos outros e ligados pelo destino.  

Olham para cima, sentiram a caricia do dia, sorrindo em cumplicidade. O Sol brilhava alto enquanto o degelo corria por entre as pedras do monte seguindo a sua fortuna. A memória daquele dia iria ser queimada pelo gelo acutilante da noite inevitável. 

16 novembro 2015

Asas

Escrevo páginas soltas, doridas, envelhecidas pelo passar do tempo, ideias soltas que voam trôpegas, como um pássaro de asas rasgadas, ave moribunda que luta contra a sombra que pinta no chão. 
Palavras sem sentido, sem corpo, ou com um tal que luta furiosamente para despedaçar as suas vestes mundanas. Procuram calor, humanidade, sangue quente e vivo para se alimentarem. Procuram a fúria, o ardor, o abismo de uma fornalha, a paixão de sentir. 

Asas negras, coladas á carne do corpo, esfrangalhadas, dilaceradas. Quando abrem projectam uma sombra que queima. Voar, pairar para longe, fugir daqueles que amo, para não causar adversidade, desgraça, dor e infelicidade. 

Mergulhar furiosamente num braço de água, rio profundo, afogar-me, morrer para puder renascer, banhar-me nas profundezas do esquecimento, limpar a voragem. 

Palavras surdas, para não serem ouvidas por mais ninguém a não ser os meus próprios ouvidos, funis, cornetas que ligam o mundo ao mais profundo da minha alma ensanguentada. Aprende-se a conter o gesto, doloroso, de olhos fechados, negando o sonho. Sonhar com terras distantes, cálidas e ternas, negando a escuridão que vive por dentro, por debaixo destas asas andrajadas. 

Sonhar, apenas sonhar que um dia o sal deste mar consiga arranhar estas asas negras de sangue coagulado, solidificado, arrancado-as da minha sombra. 

Tabula Rasa

fazer tábula rasa• Começar como se não houvesse ideias ou conhecimentos anteriores.

• Ignorar ou desprezar (ex.: fez tábula rasa das recomendações que lhe fizeram).

tábula rasa• Superfície pronta para receber escritadesenhopinturaetc.

• Mente vaziasem ideias ou conhecimentos.

12 novembro 2015

Si tú me olvidas

Quiero que sepas
una cosa.

Tú sabes cómo es esto:
si miro
la luna de cristal, la rama roja
del lento otoño en mi ventana,
si toco
junto al fuego
la impalpable ceniza
o el arrugado cuerpo de la leña,
todo me lleva a ti,
como si todo lo que existe,
aromas, luz, metales,
fueran pequeños barcos que navegan
hacia las islas tuyas que me aguardan.

Ahora bien,
si poco a poco dejas de quererme
dejaré de quererte poco a poco.

Si de pronto
me olvidas
no me busques,
que ya te habré olvidado.

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.

Pero
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos.

I want you to know
one thing. 

You know how this is: 
if I look 
at the crystal moon, at the red branch 
of the slow autumn at my window, 
if I touch 
near the fire 
the impalpable ash 
or the wrinkled body of the log, 
everything carries me to you, 
as if everything that exists, 
aromas, light, metals, 
were little boats 
that sail 
toward those isles of yours that wait for me. 

Well, now, 
if little by little you stop loving me 
I shall stop loving you little by little. 

If suddenly 
you forget me 
do not look for me, 
for I shall already have forgotten you. 

If you think it long and mad, 
the wind of banners 
that passes through my life, 
and you decide 
to leave me at the shore 
of the heart where I have roots, 
remember 
that on that day, 
at that hour, 
I shall lift my arms 
and my roots will set off 
to seek another land. 

But 
if each day, 
each hour, 
you feel that you are destined for me 
with implacable sweetness, 
if each day a flower 
climbs up to your lips to seek me, 
ah my love, ah my own, 
in me all that fire is repeated, 
in me nothing is extinguished or forgotten, 
my love feeds on your love, beloved, 
and as long as you live it will be in your arms 
without leaving mine. 


11 novembro 2015

A manhã morna, que tem o dia frio e que deixa a noite quente.


Despertar, abrir os olhos, vislumbrar o tecto branco, fantasiar nuvens tênues a dançarem dentro do quarto, a cama amarrotada, os sonhos violentos que deixaram o meu corpo quente, sôfrego com a realidade lentamente a sobrepor-se á fantasia, ao êxtase do sonho enquanto as pálpebras despertam. A luz fere o espírito e o Sol despe os lençóis, deixando o corpo a temperar. São 7 e 30, o despertador ainda descansa, combinamos cumprimentarmo-nos às 9. Deixo-o dormir mais um pouco. Nas não resisto e acordo-o para saber tudo o escondeu durante a noite, o quamto o mundo girou, quantos palreiaram sem sentido, sem substância, imbuídos nas suas banalidades, quantos estão acordados, tal como eu, quantos partilharam os meus suados delírios. Quantos partilham os meus pensamentos, sentem o mesmo Sol crescente a retemperar os seus corpos, acordando da ilusão. 
A água tépida a adensar-se, a vigorar-se, corre pelo corpo cru, arrancado da pele as fantasias ou os fantasmas da noite anterior, escorrem, debatendo-se, porque não querem ser esquecidas, porque lutam deseperadamente por viverem na minha pele, entranhando-se violentamente na carne. Resticios de sonhos que são estropiados do meu ser, caindo por terra, sendo levados pelo rio do desapontamento, húmus peçonhento que conspurca o sonho, fuliguem, lama putrefacta que desce corrente abaixo. Despertar. Sentir a vida a regressar, o corpo a tilintar, eletrificado, vivo e lavado do negro de uma noite mal dormida, mais uma das muitas que já passaram, sem saudades e sem expectativa, mesmo sabendo que quado a lua regressar, também com a sua luz negra regressam os demônios. Despertar, despertar e despertar. Roupa fresca, lavada, pura, armadura embevecida, reflexo do ego.
Passo ante passo, andamento, reaprender o balanço, manter o equilíbrio sob a circunferência da Terra, ânimo, estímulo, com a luz do dia a degustar demoradamente o meu rosto, saborear com gusto os raios de Sol. Desperto.

Neste hiato tenho o espírito lavado, o corpo restabelecido e o estômago confortado. Os ponteiros saltitam, chamando a si a minha atenção, terá o tempo sido dobrado? O dia nasce, é longo, intenso e promete emoção. Os lábios explodem num sorriso. Os olhos não conseguem conter um brilho, intenso, ardente. Todo o corpo vibra de tensão. Prazer. Desperto.

Manhã agitada, agenda recheada, muita coisa, muita gente, rostos deformados com a velocidade dos ponteiros, alguns olhos brilhantes, outros tantos corpos formosos, tensão, o sangue pulsa vigorosamente, a mente gesticula de prazer numa dança eufórica. O Sol está alto, brilha sobre mim. Retemperar.

Voou, time lapse de eventos, pessoas tantas, pouco conteúdo, rostos amorfos, palavras ocultas. Tenho a boca dormente, a língua cansada e o cérebro implodido, mirrado de tanta falsidade, de tanto fingir ser, viver, de tanta mentira acreditada verdade. Retemperar. Preciso urgentemente de um estimulante, mas para já uma bebida fresca terá de servir. Fresca, para despertar os sentidos, um mergulho vigoroso numa lagoa perdida no bosque, escondida do mundo, protegida por uma neblina cega. Só minha. Para meu prazer, delícia egoísta que não partilho com ninguém. Sabe bem, sinto o corpo a crescer e o espírito a despertar.

Olho em volta, tudo é estranho, feio, putrefacto, janelas escuras, sujas, fachadas cobertas pelo tempo, idosas, decrépitas, de cores indecifráveis, calçada curruspucada, pisada por sombras fugidias, fantasmas numa cidade abandonada, esquecida do mundo, longe da alegria, desprovida de qualquer réstia de brilho ou felicidade. Um negro que consome, absorve-me. Uma nuvem, augúrio de tempestade e pestilência. Não sou daqui, não pertenço, não quero mais, recuso ser transformado numa das tantas sombras que palminhas estes esconços. Quero viver! Quero algo diferente e longe disto, deste cheiro de morte, deste pântano infernal que suga, mastiga e consome tudo, toda a luz, toda a emoção, toda a vida. O fogo a ser soprado por um vento bafiento. Fujo, corro, deseperadamente, desenfreadamente. 

Abrir os olhos, escancarar e avidamente procurar. Vou retirar-me, rearmar-me, lavar os olhos, o corpo e a alma. Ânimo, o dia ainda caminha. 
Depois de mais um banho, agora breve, para retirar o sarro, diluir as teias dos fantasmas com que esbarrei. Água quente, limpa, branca, lâmina que raspa o musgo morto. Pureza.

A noite aproximar-se suave com promessas de lascívia, ardor quente,  com perfumes inebriantes, com corpos femininos que exalam desejo, prazer, tensão e tesão. Dançam os olhares, tiram-se medidas, projetam-se lábios carnudos, arrebitam-se os rabos, retesam os mamilos, sente-se o calor húmido dos sexos, o desejo e a luxúria. A fricção dos corpos eletrifica o ar pesado, o hálito quente e doce inebriante promete orgasmos. Música sincopada, ofegante, mosto doce a correr pela garganta depois de ter beijado secretamente os lábios, olhar vivo, brilhante, libidinoso, concernente aos sentidos, fome, apetite, concupiscência, gozo.  Mãos irrequietas, bocas ávidas, ansiedade deliciosa, pernas que resvalam no corpo abrasador a procurar o rubro, delicia-se demoradamente, intensamente, febrilmente. Cantos escuros que ocultam as formas sem conseguir esconder a tesão, o calor exalado, o cheiro lascivo, a sensualidade que transpira. Rebolar pelas paredes, roçar em todas as arestas, acutilante, dormentes. O frio da noite não se sente, os corpos fumegantes, procuram qualquer recanto, as mãos esmagam-se e negam o desprendimento. Luz ambar de um qualquer velho candeeiro mostra os olhos semicerrados, a boca pequena, ávida, tempestiva, cabelo denso, ruivo, chamas,  invocação de prazer. Vozes distantes, luzes ténues, cidade ausente. O fogo arde endiabrado, escorre sensualidade, deleite, delícia, gozo.  A casa não está distante, voam ébrios de desejo, sedentos, esfomeados de essência, famintos de vida. Todos os passos retemperam o prazer, esfaimados. A porta fechada serve de cama, o corredor, o chão e as paredes de alcova, a roupa rasgada, arrancada pela paixão, os corpos rebolam em todos os sentidos, insurgem-se contra o mobiliario, os sexos negam a separação, rebelam-se, agarram-se ainda mais. Delírio e exaltação, vigor e carnal,  os corpos fundem-se, recusam parar, cessar o movimento, o ritmo, de um arfar, de uma palpitação, de um exalar. Ondas violentas, como numa tempestade, mar profundo, tumultuoso, imparável, arrebatado e brutal.

Sinto nos meus lábios o seu travo salgado, delicio-me. 

Cada Lugar Teu


Dualidade



SEENOEVILSPEAKNOEVILEARNOEVIL

Mente, mente com todos os dentes que tens na boca, mente com ganas, mente com um sorriso, mente com toda a fibra do teu corpo, mente descaradamente, despudoradamente, mente sem vergonha ou qualquer peso na consciência, mente e nega qualquer coisa, qualquer coisa que seja, mente desavergonhadamente, ri por dentro enquanto mentes, mente, deturpa, finge afincadamente, a verdade é uma ilusão, a mentira doce, articula, exercita, sê criativo, mente como uma zabaneira, dobra a realidade, a mentira demonstra a tua inteligência, cria, molda, acredita, mente propositadamente, assume a patranha, engana, mente frente ao espelho, mente por dentro até jorrar boca fora, sê falsidico, sem te preocupares com nada, sem consequências, mente, pois a tua vida depende disso, alimento, ambrosia de quem quer sobrevir, mente, di-lo tantas vezes, com empenho, até se transformar em verdade, mente porque tem que ser assim, porque assim és obrigado, mente até a tua verdade deixar de existir, até sumir, desvanecer num expirar rápido, para agora inspirar o novo verbo e a partir daqui somente exalar a mentira. 

Fogo

Um olhar profundo, tão profundo que anseia explorar a intimidade, quase intimidante, mas hipnótico, inebriante e fogoso, possessivo, ardente porque aquece desde dentro, espalha-se lentamente por todo o corpo, prazerosamente demorando-se primeiro nos lábios, tornando-os vivos, carnudos, ardentes, depois percorre o tronco, acariciando o peito, dançando, um misto de ballet, dança tribal, chamamento dos espíritos, culto de fertilidade, extasiante, arrebatador, segue lentamente passeando pelo ventre, beija o centro do mundo, o centro do corpo, a linha da vida. Este olhar acaricia as coxas, aperta as ancas, deixa as marcas de mãos impetuosas, rasga um canal suave ao afasta-las, um desfiladeiro profundo, um caminho misterioso, uma passagem estreita entre as montanhas, angustura. 

Ardor violento, fogo nascido da paixão, inquietude, satisfação, júbilo, delírio, folia da alma que magnetiza o corpo.   

10 novembro 2015

離す


Êxtase

As curvas da vida são linhas entre o ponto a e b que escolheram ser mais interessantes do que uma linha recta. Interessantes, mas também tortuosas, por vezes dolorosas, outras dramáticas, sedutoras, pungentes, arrebatadoras, profundas, extasiantes, tortuosas, mas sempre, sempre interessantes.
A inevitabilidade de sofrermos enquanto caminhamos por entre as curvas, mantendo o corpo e o espirito em equilíbrio, quando as pendentes nos empurram para as bermas, que pode ser um colchão de erva tenra, suave e tentadora, outras ninhos de espinhos, campos de silvas escarnosas, mas atrapalha e vacilamos para mantermos-nos na estrada, a mesma que queima a planta dos pés, ensanguentando, criando uma crosta  frágil  que quebra a cada passo dado, deixando inevitavelmente a nossa pegada esborratada num vermelho escuro no pavimento, um borrão indecifrável, inteligível para quem segue no nosso encalço. 

A dor está sempre presente! Tal como o prazer e a beleza caso haja perseverança e determinação, transfigurando um corpo fustigado pelo palmilhar arqueado, num pairar, leve, superficial, delicado e etéreo. Como uma brisa que baila entre o fresco do orvalho que escorre sobre o musgo e troncos torturados sob as sombras leves numa manhã de inverno e o calor momentâneo, explosivo e ardente no despertar de um raio de Sol. 

Curvas feitas de socalcos rasgados na pele, por onde escorre um sangue quente e borbulhante, que enquanto desce, transbordando por fora, rasgando ainda mais as feridas abertas pelo tempo, empurrado pela gravidade e pelo destino, perde vigor, luz e intensidade, transformando-se numa seiva indiferenciada, um mosto escuro que cai por terra, semente inféril, desprovida de vida.

Curvas quentes, intensas, fogosas, como o corpo premente de uma mulher em êxtase, um palpitar, tremor que  tem o poder de criar mais curvas, pelo prazer, pela intensidade daquele momento, uma palpitação sonora, um arfar quente, um suspiro, ardor e prazer que  invadem o corpo desde dentro, um orgasmo de vida, o fogo  que consome os sentidos, levando-nos ao rubro, incendiando a nossa alma com uma centelha ardente, um fogo fátuo que dança em delírio frenético.   

09 janeiro 2015

Desapego

Desapego, desprendimento, despego, nunca será um acto, ou uma acção, para ter toda a profundidade da sua essência, mas mais um caminho, medindo todos os passos, ou entoando repetidamente o seu sentido (e seu, entenda-se, é o próprio, o pessoal e experimentado significado, mutável a cada fôlego),    duro, tortuoso e acima de tudo em conflito com todo o nosso âmago. Uma libertação, que mostra a distância de tudo, uma catarse, a todos os ensinamentos, à personalidade colada à carne, ou uma dor que prova a sensibilidade. Reflexões sobre o sofrimento, esperança ou o Caminho, como afastar-se de um quadro para poder verdadeiramente apreciar o todo. 

Um inspirar precedido do expirar.

08 dezembro 2014

Um dia de sol perdido no contar dos dias terá o mesmo destino que as lágrimas que caem sobre a terra mirrada?

O corpo pede e grita sublevação, mas o espirito quebrado pela mentira recusa. Estropeado, mutilado, derreado. Amaldiçoado, por ter a capacidade de procurar sinónimos para aleijado! Sai desse fosso, levanta-te, liberta-te. Basta afastar o amontoado de carne e ossos dessa laje branca e fria. Olhar para o alto, ver o azul e o branco, cegar com a luz do sol, sentir o calor na face, despertar, saltar desse leito mortal, andar com os pés firmes no solo, permitir que o vento acaricie o teu rosto. Abrir os olhos pelas milhentas cores da natureza, inspirar o verde, o azul, o escuro da terra, ou até o amargor das pessoas. A tumba escura e bafienta trespassa-me o corpo, segurando com amarras ferrugentas e cordas grossas, treliça de teias e farpas negras criadas por uma mente torturada. 

Este sol chama-me, como um canto de sereia, inaudível, sereno, maldito, doce e irresistível como aquela pequena estrela que vive cintilante dentro de cada lágrima, sempre visível enquanto esta desliza suavemente pelo rosto.

Ergue-te caído, assoma o teu semblante na direção destes raios de sol, descobre, continua a procurar o mistério... vive mais um dia.

18 novembro 2013

Mastique

Existe muito pouco a dizer, especialmente depois de ausentar-me por tanto tempo! Falta a cola que une as ideias, o fio condutor, a argamassa que aglutina todos os momentos da nossa vida. Quando o bom e o mau deixam de ter cores diferenciadas, ou apenas as memórias desses momentos tornam-se turvas, devemos questionar-mo-nos sobre...
 Divagações!!!!
A chuva irá certamente lavar a lama entranhada, para permitir um respirar leve e compassado.
Mais um dia de vida!

07 agosto 2011

Κάθαρσις


Dizem que devemos ler mil livros antes sequer de termos a dignidade para escrever algumas linhas para apreço de outros. Pois acredito que todo o conceito, apesar de coerente, é erróneo! Acredito que faz todo o sentido usarmos o verbo para expandirmos a voz e alma, usarmos o verbo como extensão do arquear da língua para produzir sons, um espelho finamente polido, numa sala sem portas, para o qual podemos sem receio olharmos para dentro de nós, para vislumbrar a verdadeira cor do nosso, para ter a oportunidade de abraçar a etérea forma do nosso ser.

Creio que todos gostariam de ter oportunidade de traçar a linha condutora da sua vida, possuir a pena mágica que permite reescrever nas entrelinhas do nosso destino, alterando-o, ou até conseguir que a próxima pagina fosse branca, para sermos nós os autores da seguinte prosa. Somos todos constituídos da mesma matéria e movemos-nos com a mesma energia, ligados a todos os outros elementos que formam este belo Universo.

Como lavar o corpo demoradamente com sal grosso até a carne sentir-se viva, afogarmos-nos no Oceano e sentirmos o cheiro da maresia pela primeira vez numa lufada de ar, sentirmos o queimar do suor quente a escorrer pelo ventre enquanto fazemos amor ou o torpor embriagado de um orgasmo, o som surdo dos corações e corpos ao palpitarem em uníssono, sob o arfar quente e salgado da paixão.

Estou cansado de tudo e de muita coisa, necessito de cair para ter oportunidade de levantar-me, ou apenas ficar deitado a vislumbrar as constelações de olhos bem abertos, esquecer as pessoas e o mundo, viajar para longe para poder descobrir as cores dos pequenos momentos, arrancar as raízes e roçar os ramos podres para poder enxertar novos galhos cheios de vida. Preciso largar tudo para não mais sentir falta.


Esta é a minha despedida, eventualmente um até breve, ainda não sei, ainda não está escrito, ainda não foi lido, mas também não será importante!

Todas estas palavras sabem a cinza escura, secam-me a boca, vou finalmente  calar-me...

17 abril 2011

O pequeno seixo coberto com limo escuro...


Quando todas estas as nuvens negras encimam a minha magra sombra e sou fustigado pela chuva fria que cai sobre os meus ombros, nada mais resta a fazer senão sorrir.  Pela dádiva da vida, pela frescura da água, pela beleza da natureza e pelo cheiro forte e quente da terra molhada.

Com o nome arrastado pela lama, a credibilidade dilacerada por mentiras, o corpo partido pela opressão, o orgulho manchado por mentiras, difamado e banido por gente cruel e triste, resta-se abrir os braços mostrar o peito aberto e chorar de alegria. 

Com os olhos fechados, as lágrimas quentes aquecem-me  o corpo gélido e uma alegria alimentada pelo amor daqueles que realmente são importantes, faz desvanecer a dor, fazendo desaparecer as ossadas marcadas no meu torso, os olhos caídos, plantados em covas escuras no rosto cinzento iluminam-se para mostrar a quem vê mais longe daquilo se os fracos sentidos mostram, a luz forte que brilha de dentro para fora, o fogo branco que nasce da verdade, a força que pulsa desde o principio dos tempos, o lume criador da alma.

Vou morrer, mas não hoje!

02 abril 2011

Siren



Long afloat on shipless oceans
I did all my best to smile
'til your singing eyes and fingers
Drew me loving to your isle
And you sang
Sail to me
Sail to me
Let me enfold you
Here I am
Here I am
Waiting to hold you

Did I dream you dreamed about me?
Were you hare when I was fox?
Now my foolish boat is leaning
Broken lovelorn on your rocks,
For you sing, 'touch me not, touch me not, come back tomorrow:
O my heart, o my heart shies from the sorrow'

I am puzzled as the newborn child
I am troubled at the tide:
Should I stand amid the breakers?
Should I lie with death my bride?
Hear me sing, 'swim to me, swim to me, let me enfold you:
Here I am, here I am, waiting to hold you'

03 janeiro 2011

Sonho

Abraça o tronco da árvore e sente o espírito, sente o calor da pedra entrar no teu corpo, mergulha na nascente como se fosse um lugar líquido do teu corpo noutra vida. Mas os espíritos têm de ser reconhecidos para tornarem-se reais. Eles não estão fora de nós, nem inteiramente dentro, mas correm para diante e para trás entre nós e os objectos que fizemos, na paisagem que moldámos e na qual nos movemos. Sonhámos com todas estas coisas nas nossas vidas mais profundas e elas são nós próprios.

18 outubro 2010

Salva-me

Os dias em que a morte tenta-me com o seu mel delicioso e espesso, com a promessa de um longo repouso, com a queda lenta no mais profundo e negro dos oceanos, onde nada mais existe a não ser o silêncio e a paz. Nenhum mal mais poderá crescer nos restos apodrecidos desta mortalha, apenas restam farrapos a dançar no ar, acossados pelo vento, levados para longe, para terras que nunca visitarei.

Apenas aquelas ternas e pequenas mãos seguram com esforço, entre lágrimas gritantes, o corpo inerte ante a queda inevitável.

Salva-me...

08 outubro 2010

Slow Moves

A compromise
between honesty and lies
To lead me past
their sly disguise

My moves are slow
but soon they'll know
My moves are slow
but soon they'll know

Behind the scenes
they grow their schemes
Hiding intentions
revealing only fractions

My moves are slow
but soon they'll know
My moves are slow
but soon they'll know

They'll keep on whispering their mantras
We'll keep on whispering our mantras
They'll keep on whispering their mantras
We'll keep on whispering our mantras

My moves are slow
but soon they'll know
My moves are slow
but soon they'll know

They'll keep on whispering their mantras
We'll keep on whispering our mantras
They'll keep on whispering their mantras

22 setembro 2010

Quimera

A ilusória ausência de corpo, a dormência dos sentidos, o reflexo inexistente diante de um cristalino espelho.

Os olhos brancos , não turvos, apenas cegos ao sentir das cores e das formas, a boca e os ouvidos cautetizados, carne alisada e suave, para que nenhum zumbido ou insecto possa entrar, o estômago vazio, escuro e fundo, sem o choro contorcido da fome, as mãos que tocam sofregamente, por não sentir, os pés e as pernas que tentam erguer um torso sem nunca o conseguirem realizar.

Uma lagoa tranquila, ou a lucidez da mente num corpo retemperado. Um cadilho finamente polido onde a magia da alquimia pode iniciar-se... O renascer ou a criação de uma nova vida.

Uma oportunidade.

Uma ilusão.

Um sonho.

19 agosto 2010

Ouvir as cores de uma fotografia

Luz


Escuridão

Este é o momento em que somente resta vergar os joelhos, deixar o corpo cair sobre a terra dura, pousando as mãos na fina camada de pó na sua cobertura, sentir o quente, entranhando os dedos nas suas profundezas, dilacerando a carne enquanto se afundam, sentir o vento a secar as lágrimas, o dia a amaciar o dorso despido, arrancando ternamente cada pedaço da sua forma. A cabeça baixa, junto ao peito magro com as costelas a desenharem escadas arqueadas para os vermes subirem em direcção aos seus lábios. 

Nada mais resta fazer a não ser esperar. Deixar o corpo inerte, tombado sobre o húmus, apenas a aguardar que a natureza cumpra a sua promessa. Esperar que o  sal e o Sol temperem esta carcaça, que os monstros espezinhem e calquem mais ainda contra o duro chão até do sangue não restar nada mais que uma pasta negra em contraste com o branco cálido do pó que os ossos secos deixam sobre o solo triste.

22 junho 2010

Ciudade Sin Sueno

No duerme nadie por el cielo. Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Las criaturas de la luna huelen y rondan sus cabañas.
Vendrán las iguanas vivas a morder a los hombres que no sueñan
y el que huye con el corazón roto encontrará por las esquinas
al increíble cocodrilo quieto bajo la tierna protesta de los astros.
No duerme nadie por el mundo. Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Hay un muerto en el cementerio más lejano
que se queja tres años
porque tiene un paisaje seco en la rodilla;
y el niño que enterraron esta mañana lloraba tanto
que hubo necesidad de llamar a los perros para que callase.
No es sueño la vida. ¡Alerta! ¡Alerta! ¡Alerta!
Nos caemos por las escaleras para comer la tierra húmeda
o subimos al filo de la nieve con el coro de las dalias muertas.
Pero no hay olvido, ni sueño:
carne viva. Los besos atan las bocas
en una maraña de venas recientes
y al que le duele su dolor le dolerá sin descanso
y al que teme la muerte la llevará sobre sus hombros.
Un día
los caballos vivirán en las tabernas
y las hormigas furiosas
atacarán los cielos amarillos que se refugian en los ojos de las vacas.
Otro día
veremos la resurrección de las mariposas disecadas
y aún andando por un paisaje de esponjas grises y barcos mudos
veremos brillar nuestro anillo y manar rosas de nuestra lengua.
¡Alerta! ¡Alerta! ¡Alerta!
A los que guardan todavía huellas de zarpa y aguacero,
a aquel muchacho que llora porque no sabe la invención del puente
o a aquel muerto que ya no tiene más que la cabeza y un zapato,
hay que llevarlos al muro donde iguanas y sierpes esperan,
donde espera la dentadura del oso,
donde espera la mano momificada del niño
y la piel del camello se eriza con un violento escalofrío azul.
No duerme nadie por el cielo. Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Pero si alguien cierra los ojos,
¡azotadlo, hijos míos, azotadlo!
Haya un panorama de ojos abiertos
y amargas llagas encendidas.
No duerme nadie por el mundo. Nadie, nadie.
Ya lo he dicho.
No duerme nadie.
Pero si alguien tiene por la noche exceso de musgo en las sienes,
abrid los escotillones para que vea bajo la luna
las copas falsas, el veneno y la calavera de los teatros.

19 junho 2010

Sombra

Ouro

O ouro, a luz que cega, que estilhaça a carne e sublima o espírito, transformando-nos numa pira de cinzas negras, que o vento leva para longe, até nada restar que recorde a sua presença. O brilho amarelo da cobiça, cor de enxofre, nascido no Inferno, numa terra onde nada cresce, a cal viva envelhecida pelo tempo, que corrói a carne, deixando apenas os ossos para serem fustigados pelos elementos, deixando rios de pó vermelho, outrora seiva da vida, que acabam a dançar pelo ar, colorindo desta cor a Lua triste que se esforça por iluminar os ermos de uma qualquer terra esquecida. As sombras são negras, mas baixas, desenhadas por contorcidos troncos, que rangem de sofrimento, gemem de dor, enquanto se desfazem lentamente, caindo mortos na terra infértil, sob o riso dos corvos negros, depenados e infectos que guerreiam pelos despojos no chão poeirento.

O ouro, iluminado pelo quadro negro e escuro, vive solitário, perdido, esquecido, desprovido de pecado, pois agora já não existem sob o Céu vermelho os olhos vitreos onde o seu reflexo pode brilhar.

16 junho 2010

Cru

Cru, é a cor da pele quando durmo, refastelado na minha cama grande, com o som dos estores a baterem na vidraça entreaberta.

Cru, é o cheiro da erva molhada de forma mecanizada pelos aspersores que acordam durante a noite enquanto o corpo repousa sobre os lençóis nesta noite quente.

Cru, é o som dos carros, da delinquência e dos alarmes que ecoam ferozes no escuro, nas noites que têm os olhos vermelhos, injectados com o seu sangue maligno.

Cru, é o tacto suave da carne quente de uma amante, enquanto entrelaça as suas pernas em mim, com os olhos cerrados e os seios tesos pela aragem fresca que corre pela janela entreaberta.

Cru, é o sabor do prazer vazio, o alimento do corpo que não preenche a alma, a fome da tesão que não satisfaz o espírito.

Cru, é o tracto do absinto, enquanto tolda o espírito e colora as mulheres sem nome que partilham a minha cama fria.

Cru, e o adjectivo, que completa as frases, quando a luz está trémula e sem vivacidade, nas longas noites tristes e sem cor.

Cru, é o reflexo do espelho, quando quem lá está não é a mesma pessoa que num dia distante sonhei vir a ser.

Cru, é a treliça justa que une os momentos negros a todas as cores vivazes, realçando-lhes o brilho, esmerilhando as toscas pedras até as transformar em jóias reluzentes.