16 junho 2010

Cru

Cru, é a cor da pele quando durmo, refastelado na minha cama grande, com o som dos estores a baterem na vidraça entreaberta.

Cru, é o cheiro da erva molhada de forma mecanizada pelos aspersores que acordam durante a noite enquanto o corpo repousa sobre os lençóis nesta noite quente.

Cru, é o som dos carros, da delinquência e dos alarmes que ecoam ferozes no escuro, nas noites que têm os olhos vermelhos, injectados com o seu sangue maligno.

Cru, é o tacto suave da carne quente de uma amante, enquanto entrelaça as suas pernas em mim, com os olhos cerrados e os seios tesos pela aragem fresca que corre pela janela entreaberta.

Cru, é o sabor do prazer vazio, o alimento do corpo que não preenche a alma, a fome da tesão que não satisfaz o espírito.

Cru, é o tracto do absinto, enquanto tolda o espírito e colora as mulheres sem nome que partilham a minha cama fria.

Cru, e o adjectivo, que completa as frases, quando a luz está trémula e sem vivacidade, nas longas noites tristes e sem cor.

Cru, é o reflexo do espelho, quando quem lá está não é a mesma pessoa que num dia distante sonhei vir a ser.

Cru, é a treliça justa que une os momentos negros a todas as cores vivazes, realçando-lhes o brilho, esmerilhando as toscas pedras até as transformar em jóias reluzentes.

1 comentário:

IM disse...

Às vezes, penso que "cru" é a única cor de que é feito o sentir...
:)