28 fevereiro 2009

O Caçador


O instinto predatório corre-nos nas veias desde tempos primitivos, faz parte da nossa essência, gostamos de perseguir, de atentar, e alguns até de matar. Provavelmente no inicio por instinto de sobrevivência, para comer ou como defesa, para ao longo dos tempos transformar-se numa arte apurada e deturpada de viver - poucos são aqueles que não são mesquinhos ou cruéis para com o seu semelhante, podem até justificarem os seus actos referindo que a vida, ou a sociedade assim o obriga, mas creio que até a justificação não passa de mais uma das características desta enfermidade. Em tudo na nossa vida queremos estar em vantagem, valorizamos a esperteza em detrimento da inteligência (conseguindo até chamar inteligência à esperteza), na vida social tentamos ser "superiores" aos que estão ao nosso redor, na profissional, a vantagem é pedra basilar para o sucesso, e por fim trazemos esta linhagem agressiva para os afectos, mostrando que somos "melhores".

Na generalidade das religiões faz-se múltiplas referências à fraternidade, ao companheirismo, à igualdade, mas a historia mostrou que também reinterpretaram estas palavras aos seus interesses, atentando à liberdade, oprimindo povos, e até matando barbaramente, com a simples capacidade de interpretar ditos, livros, pergaminhos, e todas as outras formas de comunicação que se possam lembrar.

Talvez faça parte do nosso tecido, e por muito que tentemos esfregar nunca vai sair, ou até seja um mecanismo genial de sobrevivência, o único que nos mantém no topo da cadeia alimentar, ou talvez estejamos completa e absolutamente enganados!

Senão, pensem até onde este louvável comportamento nos trouxe: o planeta está á beira do colapso, sugamos diariamente tudo o que tem para nosso beneficio (minerais, petróleo, gás, fauna, flora, e provavelmente agora mesmo alguém descobriu alguma coisa mais para delapidar), guerreamos e matamos em circunstâncias perfeitamente inexplicáveis, e se isto não fosse já suficiente, somos incapazes (ou pouco aptos) a praticar o bem, ou quando tal acontece é porque é dedutível ou fica bem socialmente.

Estas palavras também não são isentas destes males, mas podem despertar a atenção de alguém para a fealdade presente nesta realidade, e fazer a mesma questionar se poderia melhorar! Está dentro de nós a possibilidade de alterar algo, no planeta, no país, na nossa cidade, ou apenas em nós...

Um poça de lama para muitos será um sitio a evitar, para outros pode significar a única forma de saciar a sua sede.

27 fevereiro 2009

O Estranho Prazer de Fumar

Gosto muito de um cigarro, em particular casado com um café amargo, bem tirado (não aquela malga de borras que é frequentemente servida), sentado ao lado de um americano de nome Jack (Daniels, para os menos familiarizados com o simpático sulista).

Odeio o sabor a palha na garganta, mesmo depois da tradicional lavadela de dentes antes do sagrado sono, só suplantado pelo nojo do catarro castanho-esverdeado-bola-de-pus da manhã.

Adoro aquele santo cigarro pós sexo, quando os pulmões estão mais libertos, depois do arfar, e o fumo consegue chegar aqueles lugares recônditos dos pulmões, conseguindo inclusive inspirar um cigarro quase inteiro de um único fôlego, para depois o expirar em artísticas argolas.

Incomoda-me aquela nódoa entre os cúmplices dedos, que persiste em desaparecer, mesmo depois de muito esfregada com o mais abrasivo detergente, deixando sempre a sugestão no odor do crime praticado.

Acho piada aos trejeitos típicos no manusear do cigarro, com as subtilezas na forma como o retiramos do maço, o cinematográfico movimento de o colocar no sitio certo entre os lábios. Sendo a cereja em cima do bolo a arte ancestral de acender o isqueiro de um só golpe, e a conjugação de todos os actores para o grand finalle - lábios a pressionarem o protagonista, a mão a segurar a pedra de fogo, e este como que por magia a abraçar calorosamente a ponta do cigarro.

Aterroriza-me ver um filho meu a cheirar a cinzeiro cheio (tal como eu), na sua roupa, nas suas mão, no seu ser. De imaginar passar pelas mesmas nojices que diariamente passo por ter tão infeliz hábito. A perder o prazer de sentir os cheiros, de coisas simples como a erva molhada, do aroma reconfortante de um pinhal. Ou de perder a oportunidade de sentir as subtilezas olfactivas presentes no corpo da pessoa que um dia decidir amar.

Tenho de deixar de fumar!

26 fevereiro 2009

O Rio Quente

O sangue espesso e quente, com aquele característico sabor metálico, que nos corre no labirinto de veias que percorrem a nossa carcaça, movendo os nutrientes tão necessários para a nossa sobrevivência, alimentando cada milímetro desta estrutura, tornando harmoniosos os movimentos, e permitindo-nos existir, que também move as malditas doenças, que entram por invisíveis e microscópicos poros invadem o nosso interior e minam a nossa vontade, subjugando um ser adulto ás amarras de um leito morno, retirando-lhe primeiro a vontade, depois a luz, de seguida a cor, e por fim tenta levar-lhe a vida.

Enquanto durar esta batalha de titãs, entre os guerreiros sujos de cinza escura, oriundos do mais putrefacto charco do Inferno, e os resplandecentes arautos da vida, cobertos de um tom vermelho ocre que brilha quando as nuvens se afastam. Nós somos pouco mais que infelizes espectadores, contorcendo os nossos corpos quando os "cinzentos" estão por cima, e lamuriando quando os supostamente nossos campeões estão em vantagem. Perante tão triste quadro, podemos continuar a mamar nas tetas putrefactas de um animal moribundo, ou abraçarmos o cacto mais espinhoso, arrancarmos com os próprios dentes os bicos que trespassam-nos a carne e beber sofregamente a sua seiva, até este mirrar, para logo depois corrermos para o próximo com o mesmo propósito, até sentir o rio que nos percorre a transformar-se de um charco de águas paradas onde os insectos fazem festins, num cachão de águas vivas, que nos obriga a abrir os olhos, a boca, as narinas e todos os nossos poros na procura das sensações que a nossa fraca memória conseguiu preciosamente guardar.

Ainda não chegou a hora.

A Fibra


A vida diz-nos sempre em que direcção devemos seguir. A direcção certa, dentro das múltiplas que se deparam a nossa frente, as seguras, as acidentadas, as passivas e as tumultuosas. Mas dentro de todas existe sempre uma certa, que nos prepara para tudo na nossa vida, que nos ensina e faz-nos crescer, mas acima de tudo faz-nos sorrir perante cada um dos amanheceres da nossa existência, faz-nos sorrir de felicidade e realização, por estarmos gratos pelo que vivemos, também sorrimos por nos sentirmos preparados de cada vez que defrontamos a adversidade, olhando-a nos olhos, esgrimindo com sapiência, pois já sabemos o resultado do desafio muito antes deste se ter iniciado. Sorrimos porque somos verdadeiramente felizes, porque estamos completos, em cada segundo presente na nossa existência. Nos próximos, quando chegarem, vivemos-los com a mesma entrega, e devemos a nós mesmos um sorriso!

Mas, como somos feitos de matéria falha, somos sempre imperfeitos, a carne apodrece, os músculos enfraquecem, o sangue estagna, os ossos desfazem-se e o cérebro mirra, desde o primeiro dia que vimos a luz do Sol, a cada palpitação aproximamos-nos do nosso derradeiro momento de extinção. O tempo, a cada dia que passa é mais precioso, o tempo é a estrada da nossa vida, por vezes largo, outras estreito e acidentado, e ao avançarmos na nossa vida a noção do mesmo vai-se alterando, ao termos cada vez mais noção da nossa fraqueza, das nossas limitações, agarramos-nos cada vez mais a fibra do tempo, como que a procurar pela corda que nos salva da queda certa no nosso abismo imaginado.