16 fevereiro 2010

Elegia por um amigo


Ontem faleceu uma pessoa importante. Alguém que conheci nos últimos seis anos, por advento profissional, que para todos os efeitos foi o meu superior hierárquico. Um homem simples, em todas as facetas do seu ser. Adorei discutir, em plenos pulmões, com esta criatura, que apesar do rubor do rosto, enquanto vociferava impropérios na sua língua materna, sabia travar e assumir quem era detentor da razão , sem nunca tentar lustrar o seu cargo superior, tal como não se poupava aos elogios perante os seu ouvintes quando estes eram merecidos, da mesma forma que sempre parou para ouvir qualquer argumentação da minha pessoa, seja em qualquer circunstância que se encontrasse. Conheci-o nos últimos seis anos, coberto de um percurso profissional singelo – começou nessa empresa como “moço de armazém”, ainda adolescente, ascendeu a pulso, degrau a degrau, com uma formação académica limitada, até ao momento em que o conheci como “chefe”. No passado ano, a "sua" empresa, reconhecendo-lhe o valor, premiou-o com o cargo de “Director”. Suponho que para ele seria como atingir finalmente o cume da sua carreira profissional, a tradução de todo o empenho e dedicação, no desempenho laboral de toda a sua vida adulta. Nesse momento , tomou decisões, deixou de fumar, regrediu a sua apetência para as festas mundanas, começou seriamente a preocupar-se com a saúde... “porque as mulheres assim o exigem”, dizia-me. Comprou o ser carro topo de gama (de marca germânica, como os seu colegas, de função similar), e indagava se a indumentária estava adequada, provavelmente para agradar a nova voluptuosa e jovem namorada . Este foi um dos homens mais simples que conheci na vida. Considero que a simplicidade e humildade serão sempre grandes qualidades em qualquer ser humano!

Pouco mais de um ano, depois de ter “conquistado” este estado de vida, e após um exame médico, para resolver uma simples dor lombar, descobre que padecia de uma doença cancerígena. Primeiro afectava os pulmões, para na semana seguinte já afectar outras áreas do corpo. Tratamentos, tratamentos e mais tratamentos, sem sequer imaginar o martírio que tal possa ter sido, para no fim do passado ano ouvir a sua voz esperançada, quando interrompe telefonicamente uma reunião empresarial, para saudar todos os presentes, atrevendo-se a sugerir que em breve estaria de regresso. As boa noticias prolongaram-se, quando nas semanas seguintes revelou de forma eufórica que tinha havido uma total regressão da sua doença, assim como estaria para breve o seu anunciado regresso. As semanas iniciais deste novo ano passavam num constante adiar desse dito momento, sendo apenas o tempo suficiente para recuperar o cabelo perdido, perante a terapia agressiva, ou eventualmente para repor o animo.

Estará a perfazer agora trinta e seis horas, quando tudo foi desfeito. O estado de saúde degenerou, segui-se o internamento imediato, e o posterior resultado dramático – “só um milagre o poderá salvar” - foi o comentário de sua irmã que o acompanhou ao longo de todo o martírio.

Ontem, no final da tarde faleceu!
Guardarei sempre boas memória desse homem simples. As nossas “guerras” acusticamente ensurdecedoras, dos momentos de folia, e das ressacas posteriores, em que comentávamos, nos corredores do local de trabalho, que já não tínhamos idade para estas “coisas”. Recordarei sempre os seu conselhos, ditos de uma forma simples, sem floreados, e sempre isentos de hipocrisia.

Pela impressão que passou tanto a mim, como espero a outras pessoas que sabem reconhecer as verdadeiras qualidades de um ser humano, o sua presença foi imprescindivel, justificando plenamente a sua passagem entre nós.

...Por estas pessoas, e por tantas outras que espero que façam parte do “meu caminho”, não vou morrer hoje... talvez noutro dia...